27 de maio de 2020

O Dossiê completo da ligação entre o PT e as Farc´s

Matéria Revista Cambio – Colômbia – 31 de julho de 2008


O computador de Raul Reyes revela que os vínculos das Farc com altos funcionários do governo brasileiro, entre eles cinco ministros, chegaram a níveis escandalosos”

No entardecer do sábado, 19 de julho, na fazenda Hatogrande, a casa presidencial ao norte de Bogotá, o presidente Álvaro Uribe, sorridente e impertinente como poucas vezes antes, não teve duvidas em oferecer ao seu homologo brasileiro Luis Ignácio Lula da Silva um copo da aguardente de Antióquia para espantar um frio que penetrava até os ossos. Esse brinde selou a jornada que tinha começado na sexta-feira, 18, e que terminaria domingo, em Letícia, com a celebração do Dia da Independência da Colômbia. Uma festa que, como nunca antes, incluiu artistas do calibre de Shakira e da qual o presidente peruano Alan Garcia também participou.

A agenda Lula /Uribe em torno de acordos bilaterais foi temperada de elogios públicos. O presidente Uribe agradeceu a Lula e a seu governo por seis anos de relações dinâmicas e de confiança mutua. Mas em uma reunião privada que mantiveram diante de poucas testemunhas, Uribe fez a Lula um breve resumo sobre o conteúdo de uma série de arquivos que as autoridades colombianas encontraram nos computadores de Raul Reyes que comprometia cidadãos brasileiros e funcionários do seu governo com as Farc.

Ao contrario do que aconteceu com as informações relativas a servidores do governo Rafael Correa e a cidadãos equatorianos, que o governo tornou publicas, no caso do Brasil as instruções de Uribe foram para que se mantivesse a discrição e se lidasse diplomaticamente com o caso para não deteriorar as relações comerciais e de cooperação com o governo Lula.

O governo colombiano usou de forma seletiva os arquivos do PC de Raul Reyes. Enquanto os que diziam respeito ao Equador e à Venezuela foram divulgados para causar constrangimentos para Chávez e para Correa, ambos hostis a Uribe, os que diziam respeito ao Brasil foram passados por baixo do pano para não constranger Lula da Silva, que vinha se mostrando mais hábil e menos agressivo que seus colegas com relação à Colômbia.

Ainda assim, alguns veículos da imprensa brasileira conseguiram algumas informações parciais sobre os arquivo, razão pela qual, em 27 de julho, consultaram o ministro Juan Manuel Santos que, numa entrevista a O Estado de S. Paulo, confirmou que o governo colombiano tinha informado Lula sobre o tema. “Ha uma serie de informações sobre conexões das Farc no Brasil que entregamos ao governo brasileiro para que possa agir da forma que achar mais apropriada”, disse Santos. Mas ele se absteve de comentar sobre se havia ou não políticos e funcionários públicos na lista dos que mantinham contatos com o grupo hoje encabeçado por Alfonso Cano.

Coube a Marco Aurélio Garcia, assessor de política internacional do governo brasileiro responder às declarações do ministro. E ele disse que eram “irrelevantes” as informações passadas pelo governo colombiano.
Note-se o “uniforme“

O “padre Camilo”

Não se sabe o quanto eram detalhadas as informações que Uribe passou para o governo brasileiro, mas é certo que aquilo que se poderia chamar “o dossiê brasileiro” tinha implicações bem mais serias que as relacionadas com a Venezuela e o Equador.

Cambio teve acesso a 85 correios eletrônicos que, entre fevereiro de 1999 e fevereiro de 2008, circularam entre “Tirofixo” (a mais alta patente das Farc), Raul Reyes, Mono Jojoy, Oliverio Medina – delegado das Farc no Brasil – e dois homens identificados como “Hermes” e “Jose Luis”.

A julgar pelo conteúdo das mensagens as relações das Farc no Brasil chegaram até às mais altas esferas do governo Lula e do Partido dos Trabalhadores, PT – o partido do presidente – à alta direção política e à esfera da administração da Justiça. Nesses correios são mencionados cinco ministros, um procurador geral, um assessor especial da Presidência, um vice-ministro, cinco deputados, um conselheiro e um juiz superior.

O personagem central dos correios é Oliverio Medina, também conhecido como o “padre Camilo”, um sacerdote que ingressou nas Farc em 1983 e que, numa rápida ascensão, chegou a ser secretario de “Tirofixo”. Ele chegou ao Brasil como delegado especial das Farc em 1997 e esteve na Colômbia durante o Processo de Caguán, no qual teve o cargo de chefe de imprensa do grupo. (San Vicente del Caguán é uma cidade no limite da área do território colombiano que chegou a ser ocupado pelas Farc onde, de 1998 a 2002, o presidente Andrés Pastrana tentou, em vão, chegar a um acordo político com as Farc).

Com o rompimento das negociações em fevereiro de 2002, regressou ao Brasil onde retomou sua missão, e sua influencia chegou ate o nível mais alto da administração Lula, que assumiu a presidência em janeiro de 2003. Graças às pressões das autoridades colombianas, o “padre Camilo” foi capturado no Brasil em agosto de 2005. A Colômbia pediu sua extradição mas o Tribunal Superior de Justiça brasileiro não apenas negou essa extradição em 22 de março de 2007 como deu a Medina a condição de “refugiado político”.

Raul Reyes

Até o topo

A prisão não foi obstáculo para que o “padre Camilo”encerrasse seu trabalho de proselitismo e propaganda. Prova disso são os numerosos correios que enviou a Reyes e que mostram como ele conseguiu ter acesso à cúpula do governo brasileiro.

Quatro dos correios a que Cambio teve acesso se referem diretamente ao presidente Lula. Em um deles, com data de 17 de julho de 2004, Raul Reyes diz a “Tirofixo”que o governo Lula ajudaria com o acordo humanitário: “Os padres me enviaram carta pedindo entrevista com eles no Brasil”, escreve reyes. “Dizem que falaram com Lula e este assumiu o compromisso de ajudar no acordo humanitário intercedendo junto a Uribe para fazer a reunião em seu pais”.

No segundo, datado de 25 de setembro de 2006, Olivério Medina conta a Reyes: “Não lhe disse que ha alguns dias Lula chamou o ministro Paulo Vanucchi (ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos), indicando-lhe que telefonasse ao advogado Ulisses Riedel e o felicitasse pelo êxito jurídico da sua brilhante defesa a favor do meu refugio”.

No terceiro, com data de 23 de dezembro de 2006, Medina informa a Reyes que “mandei a Lula e aos dois assessores que nos ajudaram o certificado de bônus (afiche de aguinaldo)”. Os funcionários são Silvino Heck, assessor especial do presidente, e Gilberto Carvalho, chefe de gabinete, que aparecem mencionados em outro correio de 23 de fevereiro de 2007, também dirigido a Reyes: “É possível que me visite um assessor especial de Lula chamado Silvino Heck, que junto com Gilberto Carvalho foi outro que nos ajudou bastante”.

Entre os 85 correios a que Cambio teve acesso ha um, sem data, também enviado por Medina a Reyes, que diz: “Estive falando com a deputada federal Maria Jose Maninha. Ela ficou de me abrir o caminho para Marco Aurélio Garcia”. Garcia é secretario de Assuntos Internacionais.


Gilberto Carvalho, Paulo Vanucchi, Marco Aurélio Garcia

.Não menos comprometedores são aqueles em que aparecem mencionados alguns ministros. Em um deles, dirigido a Reyes em 4 de junho de 2005 por um tal “Jose Luis”, figura o nome do ministro da Presidência Jose Dirceu. “Chegou um jovem de uns 30 anos e se apresentou como Breno Altman (dirigente do PT); me disse que vinha da parte do ministro da Presidência Jose Dirceu, que por medida de segurança eles tinham decidido que as relações não passarão pela secretaria de Relações Internacionais, mas que fossem feitas através do ministro com a intermediação de Breno”. No fim da mensagem, “Jose Luis” diz que o governo brasileiro e o PT darão proteção a Medina enquanto prosseguem os tramites da extradição: “Perguntei se podíamos estar tranqüilos; se não iam seqüestrá-lo e levá-lo para a Colômbia e ele respondeu: Podem ficar tranqüilos”.

Em um correio de 24 de junho de 2004, Reyes comenta com Medina a possível saída de Dirceu do Gabinete, e lhe diz: “Se acontecer, essa vitoria dos detratores de Lula poderá afetar a incipiente abertura das relações conosco”.

As Farc também tentaram chegar ao gabinete do ministro de Relações Exteriores, Celso Amorin. Em um correio de 22 de fevereiro de 2004, “Jose Luis” escreve a Reyes: “Por intermédio do legendário líder do PT, Plínio de Arruda Sampaio, chegamos a Celso Amorin, atual ministro de Relações Exteriores. Plínio nos mandou dizer por Albertão (conselheiro de Guarulhos) que o ministro esta disposto a nos receber. Que assim que tiver um espaço na agenda nos recebe em Brasília”.

Celso Amorin, José Dirceu, Roberto Amaral

O procurador e o Juiz

O embaixador das Farc desempenhou tão bem a sua missão que conseguiu chegar até o procurador Luis Francisco de Souza, mencionado em um correio de 22 de agosto de 2004 que Medina e “Jose Luis” enviaram a Reyes e a Rodrigo Granda: “Ele deu o seguinte conselho: andar com uma maquina fotográfica e, na medida do possível, com um gravador para, no caso de voltar a aparecer um agente de informação, fotografá-lo e gravá-lo, tendo o cuidado de não permitir que nos tome a câmera ou o gravador. Que em relação ao que aconteceu, façamos uma denuncia dirigida a ele, como Procurador, para que ele a faça chegar ao chefe da Policia Federal e à Agencia Brasileira de Informação”.

Alguns correios foram escritos durante o processo de Caguán e envolveram um prestigiado juiz e um alto oficial das Forças Armadas brasileiras. Em um deles, datado de 19 de abril de 2001, por exemplo, Mauricio Malverde informa Reyes: “O juiz Rui Portanova, amigo nosso, nos pediu para visitar os acampamentos, receber instrução e conhecer a vida das Farc. Ele paga sua própria viagem”. Portanova era, àquela altura, juiz superior da corte estadual do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.

Três dias antes, em 16 de abril, Medina relata a Reyes um encontro de Raimundo, Pedro Henrique e Celso Brand – ao que parece agentes das Farc no Brasil – com o brigadeiro Ivan Frota, ex-chefe da Força Aérea Brasileira. “O homem se interessou e disse que gostaria de ter um encontro pessoal conosco, disse que estão começando a amadurecer a tomada da base de Alcântara pelas forcas nacionalistas para impedir que os Estados Unidos fiquem com os 600 km quadrados que estão sob seu domínio”.

Essa pequena amostra dos 85 correios a que Cambio teve acesso revela a importância do Brasil na agenda exterior das Farc, manejada por Raul Reyes, e não deixa duvida de que o “padre Camilo”, para implementar a estratégia continental da guerrilha aproveitou a conjuntura criada pela chegada ao poder de Lula e seu poderoso Partido dos Trabalhadores para se aproximar das mais altas esferas do governo.

E se bem que os correios são apenas indícios de um possível compromisso do governo de Lula com as Farc, pois nenhum dos funcionários citados enviou mensagens pessoais aos membros do grupo guerrilheiro, eles despertam muitas interrogações que exigem respostas do governo brasileiro.

Rui Portanova, Luis Francisco, deputada Maninha

Os contatos das Farc

A expansão das Farc na America Latina não incluiu apenas funcionários dos governos da Venezuela e do Equador mas também dirigentes, políticos e membros da cúpula do Partido dos Trabalhadores ao qual pertence o presidente Lula da Silva. O grupo também manteve contatos com juízes e procuradores do Brasil.
  • Jose Dirceu, ministro da Presidência
  • Roberto Amaral, ex-ministro da Ciência
  • Erika Kokay, deputada
  • Gilberto Carvalho, chefe de gabinete
  • Celso Amorin, chanceler
  • Marco A. Garcia, assessor de Assuntos Internacionais
  • Perly Cipriano, subsecretario de Promoção dos Direitos Humanos
  • Paulo Vanucci, ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos
  • Silvino Heck, assessor presidencial


Sequestro da Novartis

20 de setembro de 2001

De: Jorge Briceño “Mono Jojoy”

Para: Secretariado

“Edwin, velho conhecido comandante da Policarpo, junto com Julian, roubaram meio milhão de dólares e mais 700 milhões de pesos do seqüestro da Novartis. O negocio estava planejado para 10 milhões de verdes. Para completar, armou-se uma ligação com o México, a Suíça e o Brasil porque nos não entregávamos os caras. Falei com representantes desses países e concordamos que se nos dessem mais meio milhão de dólares libertávamos os dois senhores. Ordenei que fossem soltos e até agora não pagaram. Se continuarem enrolando, penso em dar-lhes um susto”.

Convite para o acampamento

12 de junho de 2005

De: Raul Reyes

Para: Jose Luis

“É preciso convidar o porta-voz do Brasil a nos visitar aqui e explicar-lhe que, para chegar às definições é imprescindível a sua conversa com o secretariado. Dizer-lhe que temos formas seguras de recebê-lo em nosso acampamento sem que isso seja registrado pelas autoridades colombianas”.


Apoio financeiro

6 de julho de 2005

De: “padre Camilo”

Para: Raul Reyes

“Solidariedade recebida durante o primeiro semestre de 2005: deputado Paulo Tadeu US$ 833,33. Sindicato da Empresa de Energia de Brasília U$ 666,66. Corrente Comunista Luis Carlos Prestes US$ 766,66. Senhora Solene Bontempo US$ 250,00. Conselheiro Leopoldo Paulino US$ 433,33. Sindicato da Empresa Aqueduto de Brasília US$ 33,33”.

Extradição de Camilo

17 de setembro de 2005

De: Raul Reyes

Para: Roque

“Bastante significativa a solidariedade dos partidos comunistas do Brasil e de outros países com a luta das Farc e no empenho para impedir a extradição do “padre”. Existe no Brasil um importante grupo de amigos solidários conosco em que ha sindicalistas, professores, congressistas, ministros, advogados e personalidades encarregados de pressionar pela imediata libertação de Camilo”.


Emprego de “la Mona”

17 de janeiro de 2007

De: “padre Camilo”

Para: Raul Reyes

“Segunda-feira, 15, “la Mona” começou em seu emprego novo e para garanti-la ou fechar a porta para a direita se em algum momento ela tentar molestá-la, colocaram-na na Secretaria de Pesca naquilo que aqui chamam um cargo de confiança ligado à Presidência da Republica”. (“La Mona” é Angela Maria Slongo, mulher do “padre Camilo”).

Giro pelo Brasil

15 de fevereiro de 2007

De: “padre Camilo”

Para Raul Reyes

“Os responsáveis pela organização da viagem do camarada Carlos Lozano são: Albertão e Pietro Lora em Guarulhos, São Paulo e Rio. Em Brasília: Paulo Tadeu, Érica Kokay. Para as atividades no Rio, se apoiarão no ex-deputado federal Milton Temer, do Partido Socialismo e Liberdade. E em Florianópolis um deputado estadual que eles ajudaram e que esta disposto a ajudar”.


Encontros com ministros

23 de fevereiro de 2007

De: “padre Cmilo”

Para: Raul Reyes

“A defensora publica está organizando para “la Mona” um encontro com o ministro, o vice-ministro e o principal assessor da Secretaria de Direitos Humanos, pela ordem, Paulo Vanucchi, Perly Cipriano e Dalmo de Abreu Dalari, um prestigioso jurista de quem o ministro relator tem pavor. O vice-ministro Perly vai falar com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Serão visitadas entidades importantes que nos apoiarão, começando pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz”.

Atuar com cautela

14 de abril de 2007

De: “padre Camilo”

Para: Raul Reyes

“Devo agir com cautela para não dar ao inimigo argumentos que levem ao questionamento do refugio. Nesse sentido, ter conseguido a transferência de “la Mona” e “la Timbica” para a capital do pais foi importante. Manterei esse perfil baixo ate a neutralização. Uma vez obtida, terei um passaporte brasileiro e a primeira coisa que quero fazer é ir vê-los”.

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