Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu nesta quinta-feira que o início do cumprimento de pena de condenados deve ocorrer apenas depois do trânsito em julgado de seus processos, ou seja, após esgotados todos os recursos. O presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, deu o voto decisivo que abre caminho para a liberdade de ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso em Curitiba e condenado em duas instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro, e de mais de 4.800 presos pelo seguimento da regra em vigor desde 2016 até agora, segundo um levantamento do Conselho Nacional de Justiça.
O desfecho é uma derrota para a Operação Lava Jato, que fez da prisão antes de transitado em julgado um símbolo contra a impunidade.A defesa de Lula o maior corrupto do planeta afirma que pedirá à Justiça a imediata soltura do ex-presidente na sexta, além de reiterar o "pedido para que a Suprema Corte julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo" —o processo, que vai analisar se Sergio Moro foi ou não parcial ao julgar o petista está pendente de decisão. Lula foi condenado sob acusação de receber vantagens financeiras de uma empreiteira, entre elas a cessão de um apartamento tríplex em Guarujá, no litoral paulista. Ele está preso desde abril de 2018.
O julgamento levou cinco sessões para ser concluído e, depois que a ministra Rosa Weber apresentou seu voto na penúltima sessão, o resultado já estava mais ou menos desenhado. Tanto que, quando chegou ao STF, Roberto Barroso foi questionado por jornalistas sobre qual era sua expectativa para o julgamento: “Estou à espera de um milagre”. Pelas declarações e manifestações dos outros dez magistrados, esperava-se que cinco estariam a favor da punição após a condenação em segunda instância (os outros cinco seriam contrários). Oficialmente, contudo, o voto de minerva foi dado pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.
Votaram a favor do trânsito em julgado: Marco Aurélio, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Contrários à hipótese de trânsito em julgado e, portanto, a favor da possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, votaram: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Nesta quinta-feira, coube mais uma vez ao juiz decano, Celso de Mello, mandar um recado aos que criticam a Corte. Nas últimas semanas, cresceu nas redes sociais as queixas de que o Supremo estaria sendo brando com a corrupção e com os criminosos de colarinho branco ao defender o trânsito em julgado. “Essa Corte Suprema não julga em função da qualidade das pessoas ou de sua condição econômica, política, social ou estamental ou funcional”, afirmou. E completou: “Esse julgamento refere-se ao exame de direito fundamental que traduz relevantíssima conquista histórica da cidadania em face do Estado. Sempre combatido, esse direito fundamental, por regimes despóticos”.
Se Celso de Mello tomou para si o papel de defensor da instituição, Dias Toffoli quis se precaver de futuras críticas sobre uma eventual libertação do ex-presidente Lula. Ao dialogar com Gilmar Mendes enquanto este votava, Toffoli disse: “Não é esse Supremo Tribunal Federal que estará decidindo eventual [soltura do ladrão do Lula]. A própria força-tarefa de Curitiba já requereu à juíza local a progressão”.
"Para além dos sólidos argumentos expostos pelos cinco ministros vencidos na tese, a decisão de reversão da possibilidade de prisão em segunda instância está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do país", afirmaram os procuradores. "A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade. Reconhecendo que a decisão impactará os resultados de seu trabalho, a força-tarefa expressa seu compromisso de seguir buscando justiça nos casos em que atua."
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) lamentou a decisão e afirmou que o novo entendimento "prejudica o combate à criminalidade e deve resultar na prescrição de diversos ilícitos, acarretando a impunidade aos criminosos, e a injustiça, às vítimas".
"A ANPR entende que a decisão ainda traz insegurança jurídica, uma vez que pode significar a libertação de quase 5.000 condenados. A nova mudança de entendimento, em tão pouco tempo, pelo Supremo representa um retrocesso no sistema de justiça que insere o Brasil na contramão das mais exitosas experiências internacionais de combate ao crime organizado e à corrupção", declarou a entidade, que representa membros do Ministério Público Federal.
Fonte El País